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Entrevista do Geógrafo Gesiel Oliveira para uma turma de Jornalismo da UNIFAP sobre a questão ambiental no Rio Araguari

1-Qual sua profissão e formação acadêmica?


Sou nascido, criado, formado e casado em Macapá. Sou graduado em Direito e Geografia pela Universidade Federal do Amapá, também sou graduado em Teologia pela Faculdade de Teologia e Ciências Humanas do Amapá, mantenho um blog onde também discorro sobre assuntos ambientais. Tenho sete livros, e um deles tem como titulo: “Sinopse histórico-geográfica do Amapá”. Também sou professor de faculdades de Ciências Jurídicas. Sou serventuário do Tribunal de Justiça do Amapá, na função de Oficial de Justiça-Avaliador do TJAP desde 2004.


2-O que está acontecendo no Rio Araguari?

Em 2013 eu viajei a Cutias do Araguari e escrevi um artigo falando sobre a realidade naquele momento, e a situação ambiental que já era muito grave. Cheguei a gravar um vídeo com a prefeita daquele município e publiquei no meu blog e no Youtube alertando que se as autoridades públicas não somassem forças para montar uma força tarefa para tentar reverter aquela situação ambiental, o fim do fenômeno da pororoca seria iminente. A própria prefeita Eliane Pimentel falou no vídeo que se nada fosse feito a pororoca iria acabar. Não deu outra, alguns meses após a publicação do meu artigo, no início de 2014, especialistas ambientais registraram a última pororoca. E dali em diante esse fenômeno não mais ocorreu. Há muitos ingredientes que permitiram esse quadro ambiental calamitoso. 




3. Para alguns pesquisadores, o Araguari está passando por um processo de degradação ambiental talvez irreversível. O senhor concorda? Por quê?

Sim, sem sombra de dúvida estamos diante de um processo irretroativo. Mas para isso você precisa saber que o Rio Araguari é o maior rio genuinamente amapaense, pois tem sua nascente na Serra Lombarda, noroeste do Estado, e atravessa vários Municípios, como as cidades de Porto Grande (cujos primeiros habitantes chegaram por ele), Ferreira Gomes e Cutias do Araguari. É um rio historicamente vinculado à origem daquele povo. O Araguari deságua no oceano Atlântico, na fronteira entre os municípios de Amapá e Cutias do Araguari, e formava até pouco tempo um fenômeno raro com ondas gigantescas que davam origem a pororoca pelo encontro das águas doces do Araguari com as águas salgadas do Oceano Atlântico, ativadas pela força gravitacional da lua sobre a Terra e pela consequente variação das força da maré. Infelizmente toda essa complexidade biológica, da fauna e flora, vem sendo seriamente afetada pelo processo de antropização, que é a ação degradatória do homem sobre o meio ambiente. Há terríveis impactos ambientais provocados pela bubalinocultura, desmatamento, assoreamento, laterização do solo, salinização das águas do rio, lixiviação, dentre inúmeras outras consequências. A situação é cada vez mais complexa neste rio. Os efeitos da antropização agora atingem a ictiofauna (fauna aquática). E esse recente problema ambiental atinge o Amapá de uma forma avassaladora. No dia 13.11.15 ocorreu a terceira grande mortandade de peixes que apareceram boiando em frente à orla de Ferreira Gomes. Sempre que isso acontece, as hidrelétricas tentam encobrir o fato pagando funcionários para recolherem os peixes mortos em barcos antes que o dia amanheça. Com uma diferença, a quantidade de peixe mortos a cada vez é maior. O aparecimento de peixes mortos no leito do Rio Araguari vem preocupando pescadores, moradores do município de Ferreira Gomes, distante 137 quilômetros de Macapá. Desde a implantação do projeto de construção de uma hidrelétrica próxima a Ferreira Gomes, os peixes mortos vem aparecendo no rio com mais frequência, e isso só é constatado no início das manhãs, em um trecho próximo ao Município de Ferreira Gomes, o que nos ajuda a dar uma dica sobre as reais motivações, apesar de não podermos ainda atribuir a culpa exclusivamente a nenhum causador.


4. Para o senhor que fatores provocaram a degradação do rio?

Há diversos fatores que tem provocado esses impactos ambientais, entre os quais posso citar: O desmatamento da mata ciliar para pasto, bem como a expansão da bubalinocultura extensiva ao longo das margens do Rio Araguari, sem dúvida acelerou o processo de assoreamento e abertura de canais, chamados na região de “varadouros”, provocados pelo pisoteamento das manadas de gado. Outra hipótese coloca as hidrelétricas construídas no Araguari como as vilãs exponenciais desse processo de degradação ambiental. Ao todo, três delas existem hoje na extensão do rio: Paredão, Cachoeira Caldeirão e Ferreira Gomes. As mudanças provocadas por essas estruturas são muito mais prejudiciais ao fenômeno da pororoca e ao próprio rio Araguari do que os búfalos, pois diminuem a vazão e reduzem a força hidráulica fluvial. Um dos fenômenos esperados como consequência das barragens é a transformação futuramente do Araguari em um ambiente lacustre. Neste caso, o rio, com o passar do tempo vai assumir a característica de lago, o que já vem ocorrendo em diversos pontos de sua extensão, ano a pós ano. Além disso há um impacto sobre ictiofauna, onde o Rio Araguari, especialmente na área próxima ao Município de Ferreira Gomes, vem sofrendo com frequentes mortandades de peixes agravando ainda mais a gravidade ambiental e sócio-econômica na região, em razão da abrupta redução do pescado e dos impactos na produção pesqueira da região. Os ribeirinhos são os que mais sofrem com tudo isso. A mortandade de peixes pode estar ligada ao uso de produtos químicos e despelo diretamente no rio pelas hidrelétricas, ao aquecimento da água em razão da diminuição do nível o rio, ou ainda pode estar relacionado a “barotraumas” (evisceramento dos peixes provocados pelo impacto das turbinas). 




5- O senhor acredita que as hidrelétricas trouxeram impactos negativos para o rio? Porquê?

Sim. Sabe-se que a construção de hidrelétricas afeta o ciclo de reprodução natural de muitas espécies de peixes, pois na piracema as espécies costumam subir rio acima para a desova e reprodução. A construção da barragem atrapalha esse processo natural. A usina tem recomendação legal para não acionar as turbina acima do limite permitido, especialmente durante o período de reprodução dos peixes, no qual cardumes gigantescos sobem o rio para se reproduzirem. Se isso ocorre, é comum termos o que chamamos tecnicamente de “barotruma”. O rápido crescimento populacional humano que estamos vivendo na atualidade traz consigo um enorme apetite por recursos para se sustentar. A produção energética é um desses desafios ao crescimento sustentável. A crescente demanda por energia tem gerado grandes investimentos no setor hidrelétrico. As usinas hidrelétricas podem causar diversos impactos ao meio ambiente, desde aumento do volume d'água antes da barragem, até o rebaixamento do nível do rio depois da barragem. Dentre tantos impactos ambientais, um dos mais severos é a mortandade de peixes pela passagem próximo às turbinas ou quando as comportas são abertas, provocando um impacto que provoca eviscerações ou lesões internas letais nos peixes. É semelhante ao efeito provocado pelo detonação de uma bomba, ao que chamamos de "barotraumas". As variações de pressão a que esses peixes se submetem nessas circunstâncias, podem gerar barotraumas (como exoftalmia -olhos saltados) condição caracterizada por uma protuberância para fora da órbita do olho do peixe, é geralmente causada pela submissão à altas cargas de pressão ou variação de condições da temperatura na água; eversão (destruição) do estômago e intestino, embolia, etc.). É comum também nessas situações a embolia em peixes, provocados pelo turbilhonamento da água despejada em grande quantidades pela abertura de grandes comportas das hidrelétricas. A embolia acontece quando o sistema sanguíneo e pulmonar ficam obstruídos por coágulos decorrentes de bolhas de ar excessivas no ambiente aquáticos, provocando um processo de asfixia irreversível e fatal. Há uma baixa quantidade de informação sobre o assunto, principalmente quando se trata do conhecimento relativo à espécies e usinas hidrelétricas na Amazônia, onde os impactos podem ser ainda mais devastadores. Em muitos casos quando há o acionamento das turbinas e o descumprimento da orientação ambiental, provocam a morte de peixes em grande quantidade, e normalmente isso acontece próximo à barragem. Além disso a construção de Hidrelétricas diminui a vazão do rio e reduzem a força hidráulica fluvial, afetando diretamente o paulatino fechamento da foz do Rio Araguari, que hoje é possível atravessar andando a pés enxutos, pois o rio perdeu a vazão suficiente para desaguar no Oceano Atlântico.





6-O Araguari nasce próximo a regiões do Amapá onde predomina a mineração. O senhor acredita que essa atividade trouxe prejuízos para o rio?

Acredito que de alguma forma há influencia dessa atividade, e que o rio carrega metais pesados e prejudiciais ao ser humano, mas essa hipótese nunca foi confirmada, não há pesquisas nesse sentido, e os impactos provocados em decorrência disso. Acredito que os problemas ambientais mais graves não decorrem desse fato.





7-No baixo Araguari há forte presença da bubalinocultura, muitos pesquisadores acreditam que essa atividade é a grande responsável pelos processo de assoreamento do rio. O senhor concorda? Porquê?

A bubalinocultura extensiva vem acelerando há anos o assoreamento, que é um fenômeno normalmente provocado pela antropização (ação depredatória provocada pelo homem) em que o acúmulo de lixo, entulho e outros detritos no fundo dos rios fazem com que o rio porte cada vez menos água, provocando enchentes nas suas margens em épocas de grandes quantidades de chuvas, ou mesmo, provocam o seu fechamento, provocando a morte dos rios, e gerando sérios problemas ambientais. No caso do Rio Araguari há uma obstrução, por sedimentos, areia e detritos em seu estuário, provocando o paulatino fechamento de sua foz. O fenômeno foi agravado em razão de canais que foram abertos pela bubalinocultura desenvolvida de forma desordenada nas margens do Rio Araguari. O Búfalo acelera a lixiviação (carregamento de sedimentos pelas chuvas), acelerando o assoreamento no leito dos rios. Esses canais, chamados na região de “varadouros” provocaram a entrada de água salgada, alterando o meio ambiente, provocando a salinização de regiões ribeirinhas, extinção da ictiofauna (fauna aquática), pois hoje é comum vermos espécies de peixes de água salgada nessa região, antes banhada exclusivamente por água doce do Rio Araguari. Isso também tem provocando um sério problema à população ribeirinha, especialmente a partir da comunidade do Tabaco, a cerca de 2 horas de barco a partir da sede do Município de Cutias, em razão do desabastecimento de água potável, provocado por esta problemática. A prefeitura do Município de cutias tem usado balsas para abastecer com água potável as comunidades mais afetadas pelo processo de salinização da água. Outro problema é a questão do êxodo rural das regiões ribeirinhas afetadas na foz do rio para a sede do município, que tem agravado a atual situação social e econômica. O rio Araguari passou a ficar cada vez mais raso, a ponto de hoje não mais ser possível se navegar de Cutias a Ferreira Gomes no período de estiagem. O Rio Araguari é o maior em volume de água, largura e extensão do Amapá, mas o assoreamento diminuiu tanto a profundidade do rio, que hoje não é mais possível se ver o fenômeno da Pororoca. O Município de Cutias do Araguari, é conhecido mundialmente pela pororoca, e por causa disso, tem atraído turistas de várias partes do mundo, mas atualmente enfrenta esse problema ambiental gravíssimo, que poderá acabar definitivamente com a pororoca nessa região. Hoje só podemos ver a pororoca a partir em algumas poucas regiões do arquipélago do Bailique, distrito de Macapá. Há equipes do IBAMA com um helicóptero, monitorando a região, mas eles afirmam que só um milagre pode reverter esse processo. A foz do rio Araguari está completamente obstruída, e a vazão de água fez os pequenos “varadouros” se transformarem em enormes canais, alguns com mais de 70 metros de largura, permitindo a entrada de água salgada para o rio, provocando todos esses problemas ambientais. Estima-se que existam cerca de 230 mil cabeças de gado bubalino nessa região, e o crescimento desordenado, tem acelerado esse problema. O mais preocupante é a omissão do Estado e do Governo Federal, que não desenvolvem um plano de ação conjunto para tentar minimizar os efeitos sociais, econômicos e ambientais desse fenômeno.



8- O senhor acredita em uma recuperação do Araguari? De que forma?

Dentro da ótica ambiental local, sinceramente NÃO. Isso exigiria uma força tarefa que envolveria o Governo Federal, Estadual e Municipal, e um gigantesco investimento, de milhões, talvez chagando a casa de bilhões de reais, bem como uma fiscalização firme, que certamente, diante do quadro de crise econômica, não seria a prioridades dos governos nesse momento. Seria necessário fechar o “varadouro” de Urucuri e pelos menos três outros próximos, que estão retirando a força de vazão do Araguari, bem como simultaneamente, a desobstrução da foz do Rio Araguari, e a retirada ou deslocamento de parte significativa do rebanho bubalino e uma ação mais eficaz e fiscalizadora junto às hidrelétricas, mas como sabemos, que isso seria impossível na atual conjuntura, tenho que estamos diante de um processo irreversível.




Comentários

  1. Este material precisa ser divulgado, a sociedade desconhece as causas do fim dá pororoca e dos assoreamento do rio Araguari. As comunidades foram as mais prejudicadas neste processo. Parabéns Gesiel Oliveira pela síntese.

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