Na turbulenta paisagem política da Venezuela, a posse de Nicolás Maduro para mais um mandato representou um marco de continuidade autoritária em meio à crise humanitária que assola o país. Os eventos que se desenrolaram em torno desse momento refletem as tensões locais e internacionais que ecoam além das fronteiras venezuelanas, apontando para um futuro incerto na geopolítica latino-americana.
Como pontuou Edmund Burke, “o mal triunfa quando homens bons
nada fazem.” Essa reflexão parece ilustrar o silêncio estratégico de Edmundo
Gonzáles Urrutia, uma figura que se esperava desempenhar um papel decisivo no
xadrez político do país, mas que optou por permanecer fora do território
venezuelano, ampliando a sensação de vazio na oposição. Ao mesmo tempo, María
Corina Machado, figura icônica da resistência democrática, rompeu o silêncio em
um discurso inflamado diante de milhares de manifestantes, um ato que resultou
em sua prisão e posterior soltura sob pressão nacional e internacional.
A prisão de María Corina foi recebida com indignação em
várias capitais ocidentais. Washington, ainda sob a liderança de Biden,
intensificou sanções econômicas, reforçando os embargos que já custaram à
Venezuela uma queda de 40% em suas exportações de petróleo em 2024, segundo
dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Trump toma
posse somente no dia 20 de janeiro e já anuncia medidas ainda mais enérgicas
contra Maduro. A União Europeia, por sua vez, anunciou novas restrições à
entrada de bens de luxo e serviços financeiros para aliados do regime chavista,
numa tentativa de isolar ainda mais Maduro.
Por outro lado, o governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da
Silva surpreendeu ao enviar uma representante oficial para a posse de Maduro,
decisão que gerou críticas internas e externas. Em nota, o Itamaraty defendeu a
postura como uma tentativa de diálogo, mas analistas interpretaram o gesto como
um sinal de alinhamento pragmático, possivelmente visando benefícios econômicos
e uma retomada de relações comerciais com Caracas.
"Um mundo em que o poder é venerado acima da justiça é
um mundo em perigo," escreveu George Orwell em 1984. A frase ressoa na
conduta de Trump, que, ao reassumir a presidência dos Estados Unidos, promete
endurecer ainda mais as políticas contra o "eixo do mal" formado por
regimes como os de Venezuela, Rússia, China e Irã. Trump já sinalizou que
buscará maior protagonismo militar e econômico no continente americano, o que
pode intensificar as divisões globais.
Enquanto isso, dentro da Venezuela, a inflação galopante,
que em 2024 alcançou impressionantes 398%, continua a devastar a economia.
Estima-se que mais de 7 milhões de venezuelanos permanecem em situação de
insegurança alimentar, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos. A posse
de Maduro e a repressão à oposição não fazem mais do que reforçar a ideia de um
regime isolado, mas resistente.
O futuro da Venezuela parece um nó intrincado, em que cada
fio puxa interesses conflitantes. A presença de líderes polarizadores como
Trump e Lula no cenário internacional pode tanto agravar a crise quanto
apresentar oportunidades para negociações mais amplas. Contudo, enquanto o povo
venezuelano continuar a sofrer os impactos de uma crise que mistura
autoritarismo e decadência econômica, o mundo terá o dever moral de olhar para
além de suas fronteiras. Afinal, como dizia Hannah Arendt, “a essência dos
direitos humanos é o direito a ter direitos.”
A hipocrisia do
governo petista, o cerco de Maduro e a estratégia dos EUA
O fechamento abrupto da fronteira entre Venezuela e Brasil,
ordenado por Nicolás Maduro, representou mais um capítulo sombrio na saga de
autoritarismo que define seu governo. Sob a justificativa de "proteger a
soberania nacional", o ato foi amplamente visto como uma tentativa de
bloquear o fluxo de ajuda humanitária e o potencial apoio a dissidentes
venezuelanos que poderiam buscar refúgio ou suporte no território brasileiro. A
medida exacerbou as tensões regionais, ao mesmo tempo em que destacou a
fragilidade de um regime que parece cada vez mais encurralado, tanto por
pressões internas quanto externas.
Nos bastidores dessa crise, surgem rumores sobre uma
possível intervenção militar dos Estados Unidos. Com Donald Trump de volta ao
Salão Oval, a retórica de "restaurar a democracia" na Venezuela
voltou a ganhar força. Fontes próximas ao Pentágono apontam que uma operação
militar para destituir Maduro e instalar Edmundo Gonzáles Urrutia como presidente
legítimo — apoiado pela maioria dos países da Organização dos Estados
Americanos (OEA) — não está fora de questão. Contudo, o alto custo político e
humano de uma invasão direta mantém essa possibilidade como última alternativa.
Em paralelo, uma estratégia menos visível, mas
potencialmente mais eficaz, está sendo considerada por Washington: o
financiamento de movimentos rebeldes e a infiltração em grupos dissidentes
dentro das Forças Armadas venezuelanas. Nos últimos meses, cresceu o número de
relatos sobre militares insatisfeitos com o regime, especialmente em
decorrência de salários corroídos pela inflação e privilégios reservados apenas
a uma elite próxima ao chavismo. Segundo estimativas de analistas da Brookings
Institution, mais de 20% do efetivo militar venezuelano poderia estar disposto
a apoiar um levante interno, caso haja apoio logístico e financeiro suficiente.
Enquanto isso, o Brasil, liderado por Luiz Inácio Lula da
Silva, encontra-se em uma posição diplomática controversa. Ontem, a imprensa
brasileira revelou que, dias antes das eleições fraudulentas que garantiram a
"vitória" de Maduro, o governo brasileiro autorizou a venda de 20 mil
sprays de pimenta para Caracas, um equipamento ostensivamente usado contra
manifestantes pró-democracia. Tal ação coloca em xeque a retórica de Lula, que
frequentemente se apresenta como defensor da democracia e dos direitos humanos,
mas, na prática, tem reforçado economicamente regimes autocráticos.
A hipocrisia brasileira torna-se ainda mais evidente quando
lembramos as declarações recentes de Lula em fóruns internacionais. Em
discursos inflamados, ele insiste que "nenhuma democracia é perfeita, mas
deve ser protegida." Contudo, ao financiar diretamente instrumentos de
repressão, o governo brasileiro contribui para a perpetuação de uma ditadura
que já forçou mais de 7 milhões de venezuelanos a deixarem o país, segundo
dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
Do ponto de vista internacional, a decisão de Maduro de
isolar o Brasil pode ser vista como um movimento desesperado para conter uma
potencial infiltração de forças adversas, mas também revela o medo crescente de
uma rebelião interna. Como dizia Sun Tzu em A Arte da Guerra: “A suprema arte
da guerra é derrotar o inimigo sem lutar.” É exatamente essa estratégia que os
Estados Unidos parecem adotar ao buscar minar Maduro por meio de ações
indiretas, enquanto evitam os custos diplomáticos de um ataque militar direto.
O futuro da Venezuela permanece incerto. De um lado, está a pressão
internacional liderada por Washington e apoiada por nações da OEA; de outro, a
cumplicidade silenciosa de aliados regionais, como o Brasil, que preferem
privilegiar interesses econômicos sobre princípios democráticos. O povo
venezuelano, como sempre, paga o preço mais alto, vivendo entre o espectro de
uma intervenção militar e a continuidade de um regime autoritário. Como alertou
Albert Camus: “A liberdade é uma chance de ser melhor.” Para os venezuelanos,
essa chance parece mais distante do que nunca, mas a história mostra que
regimes baseados no medo e na repressão têm prazo de validade. Resta saber
quando — e como — o regime de Maduro chegará ao seu fim.
Gesiel Oliveira, Prof de Geopolítica e Direito Constitucional
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