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O estranho relato da visita de militares estrangeiros em submarinos na década de 40, no Orfanato São José na Ilha de Santana, realidade ou lenda?

Orfanato São José na Ilha de Santana em 1950

Sabe-se que o caso de nazistas incursionando pelo vale do Rio Jari na década de 30, onde inclusive há um cemitério nazista, não foi o único caso de relatos de visitas secretas de nazista ao Amapá. A estratégia geopolítica de Hitler era sim conquistar terras na Amazônia, em busca de recursos minerais e da biodiversidade. 

O relato da “visita”

Em meados da década de 1940, embora a data exata permaneça imprecisa, um caboclo ribeirinho difundiu pelas localidades interioranas um relato intrigante: ele afirmava convictamente ter testemunhado um submarino submergindo nas águas do Rio Amazonas, nas imediações da foz do Rio Vila Nova. Segundo ele,  desse submarino emergiu um grupo de homens fardados com uniformes militares que não pertenciam às forças armadas do Brasil e que se dirigiram à Ilha de Santana.

O autor deste relato quase desconhecido, cujo nome desapareceu da memória dos antigos moradores, desencadeou uma onda de perplexidade nos dias que se sucederam. Esse relato está registrado na Revista Tempo Amazônico, escrito por Mauro Sérgio Soares Rabelo no artigo: "Histórias da Amazônia contada pelo povo: o orfanato São José na Ilha de Santana, no Estado do Amapá. Realidade ou lenda sobre a presença nazista".

O acontecimento resultou até mesmo na detenção de padres estrangeiros Italianos e Alemães, que então supervisionavam o Orfanato "São José" edificado naquela década na Ilha de Santana, e que ainda hoje restam as ruínas na Ilha de Santana, e devido à suspeita de que o submarino fosse alemão e que os militares estivessem em serviço de espionagem em conluio com aqueles cléricos.

Ao ser interrogado pelas autoridades, o caboclo, de certa forma confuso, modificou seu depoimento, agora mencionando ter avistado um "grande barco com duas velas". Enquanto alguns riram da situação, os próprios padres teriam ironizado, afirmando que o que o caboclo avistara era, na verdade, uma embarcação do tipo "regatão", comum na região, que comercializava bens com os ribeirinhos.

No entanto, para alguns habitantes da Ilha de Santana, a versão original do caboclo, que narrava a presença de um submarino, poderia ter fundamento. Naquela época, circulavam boatos de que os padres residentes no Orfanato agiam de forma estranha e recebiam "visitas muito suspeitas" durante a noite, fato confirmado pelas louças sujas ocasionalmente encontradas na cozinha do orfanato e testemunhadas por outros trabalhadores naquele local.

Há relatos de submarinos alemães visitando secretamente a Ilha de Santana na década de 40


Submarino ou “cobra Sofia”?

A narrativa se estende ainda mais: conta-se que, quando emergia e se retirava do local de ancoragem, o submarino provocava ondas tão poderosas que levavam pequenas embarcações ao naufrágio. Esse fenômeno talvez explique a origem da lenda da "Sofia", que, por muitas décadas a partir de 1940, foi transmitida de boca em boca entre ribeirinhos e catraieiros locais sobre uma cobra gigantesca que eventualmente emergia a noite naquela região próximo a Ilha de Santana. A "Sofia" era descrita como uma enorme cobra com olhos brilhantes, vagando pelo meio do rio, descrição que poderia muito bem ser associada a um submarino com seus espelhos de periscópios, que são instrumentos para observação que emergem dos submarinos para examinar a superfície.

Entretanto, oficialmente, não há documentação que comprove que os padres (religiosos) acolhiam militares estrangeiros. Naquele período, a Alemanha era governada por Adolf Hitler. No entanto, é sabido que o Orfanato São José foi, de fato, construído por padres europeus em um terreno localizado nos arredores da Ilha de Santana. Esses padres permaneceram no local por um longo período até serem substituídos por padres italianos em 1948.

Relato de testemunhas

O relato do caboclo ribeirinho foi compartilhado também no "Blog Santana do Amapá" por Manuel Rodrigues de Araújo, aposentado de 74 anos, na época do relato e publicação do artigo, em 03/10/2015, residente em Santana, que também viveu no Orfanato. Embora ouça muitas histórias sobre o submarino alemão, ele diz que não viu, mas ouviu sobre esse relato à época, que os eventos realmente tenham ocorrido.

"Aqui jazia o orfanato, uma espécie de quartel, com horários para acordar e dormir. Era um lugar onde você aprendia marcenaria, conceitos escolares (ensino regular) que levava consigo para toda a vida", compartilhou o aposentado.

No entanto, sobre o relato do caboclo ribeirinho, pode-se afirmar que alguns fatos se encaixam de forma surpreendente, permanecendo silenciados ao longo das décadas.

Uma testemunha de que "visitas eventuais" podem ter realmente acontecido naquele educandário é a Srª Raimunda Benedita dos Santos, conhecida como Dona Bené, à época do relato, com 89 anos. Naquela época, ela residia e trabalhava no local que originalmente servia como Casa de Campo para os Missionários da Sagrada Família (MSF), também conhecido como Retiro dos Padres. Posteriormente, foi adaptado para funcionar como internato para crianças e pré-adolescentes.

Dona Bené, com menos de 16 anos na época, subiu os rios da Amazônia acompanhada pelos pais e quatro irmãos. Por volta de 1942, sua família chegou ao município de Mazagão, onde fixou residência temporariamente. Eles conheceram um padre que os levou para residir no local religioso da Ilha de Santana.

A jovem testemunhou situações suspeitas envolvendo um padre de nome Orlando Bahour, que residia no local. A comunicação com ele era difícil, devido a sua limitada habilidade com o português. Dona Bené observou momentos de impaciência por parte desse líder.

Visitas “secretas”

Segundo os relatos da aposentada, a convivência no local abrigava apenas três padres de diferentes nacionalidades, sendo que dois deles eram propensos a viagens frequentes. Nesse contexto, somente um padre permanecia, o de nome Orlando Bahour, que, segundo os moradores da Ilha, era de origem Alemã. Curiosamente, esse padre se tornou o protagonista de situações suspeitas, como mais tarde testemunhou a aposentada.

Dona Bené descreveu que o referido padre tinha um domínio limitado do português e apenas conseguia se comunicar por meio de gestos. Ela contou que sua mãe chegava a dedicar até dez minutos para entender o que ele desejava comer ou o que pedia para ser feito. Dona Bené também mencionou ter presenciado várias ocasiões em que o líder religioso demonstrou impaciência. "Em certos momentos, ele parecia ter ficado irritado com a forma como limpávamos os corredores do lugar. O víamos gritar, mas não compreendíamos o que ele dizia, pois ele reclamava em sua própria língua."

Uma visita inesperada trouxe à tona uma série de acontecimentos intrigantes. Segundo Dona Bené, o padre alemão costumava deixar o retiro sem comunicar os caseiros, especialmente quando os outros padres viajavam. "Quando os outros padres viajavam, ele (padre Orlando) simplesmente partia do retiro, não dando nenhuma instrução aos caseiros. Ele desaparecia por horas e só retornava tarde da noite", revelou.

Um desses momentos em que o padre Bahour estava ausente resultou na inusitada aparição de indivíduos desconhecidos na região, ocorrida no início do ano seguinte (1944). A aposentada narrou o episódio em detalhes: "Como minha família costumava dormir depois das sete da noite, minha mãe ouviu vozes altas provenientes do bloco que abrigava o refeitório do retiro. Ela me acordou e pediu que eu verificasse a origem do barulho. Peguei uma lamparina e fui até o refeitório."

A chegada inesperada

No refeitório do Retiro — situado em um prédio distante dos dormitórios — Dona Bené testemunhou uma cena que a deixou momentaneamente imobilizada. Além do padre alemão presente, quatro homens uniformizados ficaram em silêncio conjunto ao perceberem que a jovem havia entrado. "Eles estavam conversando e rindo alto, e quando cheguei à porta do refeitório, todos ficaram subitamente em silêncio, o que me causou medo. Eles me observaram seriamente por um tempo considerável. Ao perceber os gestos do padre Orlando, me indicando para ir embora, afastei-me. Fiquei intrigada sobre a origem desses homens, já que o Retiro não era amplamente conhecido na região." Dona Bené descreveu a vestimenta e o comportamento dos homens de uniforme que visitavam o local naquela hora. "Todos usavam camisas e calças idênticas, como uniformes militares de cor escura. Dois deles tinham a camisa aberta, aparentando cansaço, e dois  portavam armas na cintura e não removiam as mãos dali."

Na manhã seguinte, uma nova surpresa aguardava Dona Bené: o refeitório estava parcialmente sujo, incumbindo-lhe a tarefa de limpá-lo completamente. "Parecia que uma festa havia ocorrido ali, e o mais curioso é que a partida desses homens não gerou qualquer barulho."

Dona Bené compartilhou o ocorrido com sua mãe, mas ela preferiu ignorar o fato, com receio de perderem a moradia que lhes fora providenciada. Algum tempo depois de presenciar a cena, Bené soube de relatos de pescadores avistando possíveis submarinos nas proximidades do Retiro.

Segundo a aposentada, esses eventos a levaram a considerar a possibilidade de como essas visitas poderiam ter ocorrido sem fazer barulho. Sua família permaneceu no local até o final da década de 1940, quando o padre italiano Simão Corridori (recentemente chegado ao Amapá) adaptou o local para funcionar como um Orfanato "São José".

A família de Dona Bené partiu para Macapá, onde reside atualmente. Viúva há quase duas décadas, ela é mãe de onze filhos, nove ainda vivos. 

A Amazônia guarda muitas histórias pouco conhecidas. Acompanhe nossa coluna todo domingo no Jornal A Gazeta e siga Gesiel Oliveira nas redes sociais para conhecer mais sobre curiosidades históricas, geográficas e geopolíticas do Amapá e da Amazônia.


Gesiel de Souza Oliveira, Tem 45 anos, é casado, pai de 3 filhos, Amapaense, Palestrante, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Amapá, Pós-graduado em Docência e Ensino Superior, Pós Graduado em Direito Constitucional, Professor de Geopolítica Mundial, Geógrafo, Bacharel em Direito, Escritor, Teólogo, Pastor Evangélico, Professor de Direito Penal e Processo Penal, Fundador e Presidente Internacional da APEBE – Aliança Pró-Evangélicos do Brasil e Exterior.


Fonte principais: 

1) Cristóvão Lins, artigo publicado neste link:  https://serqueira.com.br/mapas/naziam.htm

2) Emanoel Jordânio; http://memorial-stn.blogspot.com.br/2011/06/nazismo-na-ilha-de-santana.html?m=1

3) Super Interessante, com informações "Das Guyana-Projekt. Ein Deutsches Abenteuer am Amazonas - Jens Glüsing, Cristoph Links Verlag, 2008". https://super.abril.com.br/historia/nazistas-na-amazonia/

4) Mauro Sérgio Soares Rabelo no artigo: "Histórias da Amazônia contada pelo povo: o orfanato São José na Ilha de Santana, no estado do amapá. Realidade ou lenda sobre a presença nazista" https://www.ap.anpuh.org/download/download?ID_DOWNLOAD=1970

5) Blog Santana do Amapá - http://santanadoamapa.blogspot.com/ “Os nazistas estiveram aqui na Ilha de Santana” - http://santanadoamapa.blogspot.com/2015/10/os-nazistas-estiveram-aqui-na-ilha-de.html

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