Quero compartilhar hoje com vocês uma experiência sui generis que tive quando conheci um lugar a cerca de 16 Km de sede do Município de Calçoene. Em Calçoene, fui apresentado a uma figura lendária naquela região, o Seu Garrafinha, como gosta de ser chamado o Sr Lailson Camelo da Silva, um senhor de 71 anos de idade, casado, avô de vários netos, que mora em frente à cidade de Calçoene, de frente para o Rio que corta a cidade. Ele é o guarda parque dessa enigmática região. Ainda pela noite jantamos juntos. Com ele estava sua esposa Dona Nilza. Ele me contou detalhes que me deixou ainda mais curioso e intrigado a respeito daquele magnífico e misterioso achado arqueológico localizado no interior do Calçoene.
No outro dia saímos ainda pela madrugada em direção a essa região cheia de mistério em Calçoene. Dali às margens do igarapé Rego Grande são 16 km de estrada poeirenta onde, em imagens justapostas, surgem terras florestadas, campos naturais, igarapés e rarefeitas casas cercadas por pastos. Tudo abrasado pelo sol impiedoso daquela região, que deixa o tempo ainda mais úmido e mormacento. Depois de cerca de vinte e cinco minutos de viagem, de longe avistei uma casa que serve como ponto de apoio e manutenção do Parque Arqueológico do Solstício. O enigma se instala a partir de uma porteira de madeira. Ela se abre para uma paisagem inigualável, silenciosa, em um vasto campo verde às margens de um lindo rio. Uma vasta, mais imponente e misteriosa área, na qual aos poucos se distingue, encimando um morro, um enorme círculo de pedras. Em um diâmetro de 30 m estão distribuídos 147 blocos de granito, alguns com 4 m de altura, pesando até 5 toneladas. Percebe-se logo que não se trata de algo natural, mas de uma formação que se sobressai na paisagem construída por mãos humanas naquela região de planície.
O círculo de Calçoene foi apelidado de "Stonehenge do Amapá", numa referência à Stonehenge, na Inglaterra. São raras as ocorrências deste tipo de construções em outras partes do mundo. Mas há um traço sempre comum, pois são rochas em forma de círculos para fins astronômicos, cerimoniais fúnebres e religiosos, como o mais conhecido de todos, o Stonehenge na Inglaterra construído entre 3000 e 2000 a.C, há ainda as Pedra do sítio arqueológico de Tiya em Addis Ababa na Etiópia, temos ainda o Callanish Stones na Escócia, localizado na Ilha de Lewis, na Escócia, erguido por volta de 2900 a.C. e também possui alinhamentos astronômicos notáveis. Também há uma formação semelhante em Avebury na Inglaterra de pedras neolíticas datada de 2600 a.C. e tem uma relação com os movimentos astronômicos.
Seu garrafinha, me disse que descobriu o sítio arqueológico por acaso, quando no início de 1964. Ele morava naquela região e estava atrás de uma raposa que havia matado e carregado um pato para longe. Ele seguiu as pegadas da raposa e viu que elas desapareciam em determinado ponto abruptamente. Desconfiado, começou a revirar o solo e pedras, e debaixo de algumas rochas, sentiu um vento frio que vinha de debaixo daquelas pedras. Ao começar a cavar, percebeu que se tratava da entrada de uma caverna que ficava sob a colina. Lá embaixo encontrou ossadas bem conservadas, arcos, jarros, um cocar indígena, braceletes, cordões daquilo que supôs ser de ouro, dentre outros objetos bem conservados. Enfim, se tratava de um achado arqueológico que apenas iniciava uma série de pesquisas, estudos, e indagações, a maioria delas nunca respondidas. A região é cheia de mistérios, e muitas perguntas ainda permanecem, tais como: Que povo era aquele? O que representava aquela disposição de pedras? De onde essas pedras vieram? Como foram transportadas até ali? São questionamentos que ainda não foram plenamente compreendidos.
Existe alguma coisa que vai além dessa descoberta, é a atmosfera daquele lugar. Imponente em seu profundo silêncio, sobretudo ao entardecer, quando as sombras das pedras milenares se alongam sobre o campo de capim verde vívido. O final do dia na floresta amazônica ameaça não acabar nunca naquela explosão de cores aquareladas de multiforme cores. Só que, de repente, como num apagar de luz, a escuridão. E uma miríade de estrelas faiscantes começa a iluminar a noite. É quando um mundo de histórias “fantasmagóricas” se alinha à descoberta, pois o lugar tem fama de mal-assombrado. São narrativas insólitas e surrealistas. Vou descrever aqui do jeito como ouvi lá naquele misterioso lugar.
O Seu Garrafinha, é um baú de histórias e “estórias”. Ele conta que: “certa vez, logo depois que encontrei o sítio arqueológico, um cara tirou veio ao local e furtivamente levou consigo um vaso cerâmico. A partir desse dia, toda noite, ele acordava levando pancada na cabeça de “não sei quem”. Só depois de tanto tabefe é que ele juntou as peças e ligou ao roubo da cerâmica que estava na sala de sua casa. Então, ele voltou lá no local das pedras e recolocou o vaso no mesmo lugar do círculo e, a partir desse dia, nunca mais apanhou da assombração”, mas foi embora da região para nunca mais voltar.
Seu Garrafinha conta ainda muitos outros causos de “visagens” e “assombrações”. Contaram-me sobre uma luz vermelha que todo início de noite vem do céu direto para o centro do círculo de pedras, e depois se materializa em forma de labaredas que aparentam serem “velas vermelhas”, que flutuam e vão em direção ao rio, até desaparecerem. Ele garante que isso acontece durante o período do solstício. Claro que eu não procurei ficar até o anoitecer para constatar a veracidade dessa “estória” Kkkkk. Além disso, me contou sobre ruídos estranhos por aquelas bandas e aparições de guerreiros vestidos com seus cocais e usando seus arcos. Enfim, é interessante esse repertório contado no fim da noite à luz de velas, pois eles são outra maneira de explicar a magia e atmosfera daquele local, de dar sentidos para aquelas pedras misteriosamente dispostas, de manifestar a riqueza cultural e antropológica dos costumes daquela região.
O Seu Garrafinha continua vivendo naquele lugar místico, e me disse que carrega no sangue o legado daquele povo guerreiro. Ele garante que aquela região é protegida pelos espíritos dos seus ancestrais. Com todas as dificuldades, ele realiza a capina do local, a limpeza periódica dos megalitos e a proteção daquela região. Tem inúmeras histórias e “estórias” para compartilhar, sempre em tom de descontração e simplicidade de um homem que carrega consigo o amor pela história de uma região de tamanha importância científica, mas que não vem recebendo o devido cuidado e atenção dos entes públicos. Ao visitar Calçoene, não deixe de conhecer o Parque Arqueológico do Solstício. Boa parte da população do Amapá sequer sabe da existência desse parque arqueológico, mas o Seu Garrafinha continua lá, firme, dedicado, como cuidador dos resquícios de um povo e de uma história que resiste ao tempo e ainda tem muito a revelar.
Gesiel de Souza Oliveira, tem 45 anos, é macapaense, Oficial de Justiça, Bacharel em Direito e Geografia pela UNIFAP e em Teologia pela FATECH, Professor de Direito Pós-graduado em Direito Constitucional e Docência em ensino superior, é também pastor evangélico. É fundador e presidente nacional de um movimento social cristão chamado de APEBE - Aliança Pró-Evangélicos do Brasil e Exterior que hoje está presente em dezenas de municípios, 16 Estados brasileiros e 9 países.
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