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A Nova Lei das Prisões e as modificações no sistema penal brasileiro


Com a entrada em vigor da novatio legis nº 12.403, no dia 05 do presente mês, o sistema criminal brasileiro passa a vivenciar nova fase. Pode-se dizer que a importância desta lei guarda proporções com duas outras relevantes leis promulgadas anteriormente, a saber: a Lei nº 5.941/73 e a Lei nº6.416/77. A primeira foi a responsável pela criação do benefício concedido ao criminoso primário de responder ao processo em liberdade, desde que preenchidos determinados requisitos e observadas certas condições (conhecida como Lei Fleury); a segunda procedeu a uma série de alterações na parte
 geral do Código Penal, introduziu o instituto da prisão albergue, criou as penas alternativas e modificou inúmeros artigos do estatuto penal e da lei processual penal, entre eles, acrescentou o parágrafo único ao art. 310 , possibilitando a liberdade provisória ao acusado que atendesse às exigências legais. Pois bem. Agora, a situação se repete e se amplia. Os ares de liberalidade do legislador buscaram realizar antigo anseio , qual seja, o de adaptar a norma infraconstitucional à Lei Maior, vale dizer, compatibilizou o Código de Processo Penal à Constituição Federal de l988. Com isso, doravante, só há duas espécies de prisão provisória admitidas legalmente: a prisão temporária (decorrente da Lei 7.960/89) e a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP). As demais formas de prisão, tais como prisão em flagrante, prisão administrativa, prisão por força da pronúncia e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível perderam, consequentemente, a sua importância como espécies de prisões cautelares. 
                        No caso de prisão em flagrante, ela não poderá mais perdurar como ocorria no sistema recém-revogado, em que se admitia a sua eficácia durante todo o trâmite processual até a sentença condenatória. De acordo com a nova sistemática, a prisão em flagrante – que perdeu o seu caráter cautelar, repita-se, não será mais admitida para manter alguém preso durante a instrução criminal. Em outras palavras: ou o juiz a transforma em prisão preventiva, podendo simplesmente convertê-la , desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP (cf. nova redação da novatio legis), ou concederá liberdade provisória, com ou sem fiança. A outra alternativa é que poderá o magistrado aplicar medidas cautelares diferentes da prisão, medidas essas que se encontram relacionadas no art. 319 do CPP (com a novel redação) e que são: I- comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II- proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distantes desses locais para evitar o risco de novas infrações; III- proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV- proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V- recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI- suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII- internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII- fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX- monitoração eletrônica. São essas as novas medidas cautelares diversas da prisão provisória.
                        Pode-se afirmar, sem qualquer receio, que o legislador processual penal reformista acentuou , em claras tintas, que a prisão definitivamente se apresenta, na sistemática brasileira , como uma forma excepcional de supressão da liberdade, oferecendo, portanto, ao magistrado, uma série de alternativas viáveis para evitá-la. Se, antes, no regime ora revogado, a prisão preventiva era considerada e vista pela doutrina como odiosa medida de exceção, agora, então, passa a ser odiosíssima medida excepcional, somente se admitindo em casos extremos , ditados exclusivamente pela inarredável necessidade ou pela imperiosidade de sua decretação. Temos que conviver com essa nova e salutar realidade:a prisão deve decorrer da verificação processual da culpabilidade do acusado, jamais da possibilidade de sua condenação. No Brasil, até hoje, acostumamo-nos a enxergar nas formas de prisão provisória uma maneira rápida de se fazer justiça, diante da morosidade dos processo criminais que , mais das vezes, caíam na vala da prescrição e, portanto, da impunidade. Com isso, tinha-se a falsa percepção de que se estava a aplicar a lei, embora o fizéssemos em relação a pessoas ainda não declaradas judicialmente culpadas. Daí decorria, não raro, que a soltura ou a liberação de um preso provisório desacreditava todo o sistema, pois se raciocinava em termos de uma justiça célere, embora ela o não fosse. Prendia-se cautelarmente porque a prisão penal , ou seja, a prisão decorrente de sentença condenatória irrecorrível era algo muito distante , quiçá inatingível, considerando-se a pletora de recursos à disposição do acusado. O que se pretende agora é evitar-se a prisão, tanto quanto possível,aos que respondem processo crime. O que deve o Estado obrigar-se, em contrapartida, é a concluir rapidamente esses processos, a fim de que seja declarada a inocência deles ou a sua culpa, e , aí sim, aplicar-lhes a sanção compatível e, se for o caso, condená-los ao cumprimento de suas penas, de forma eficaz e exemplar.
                        Outro aspecto da nova lei que merece encômios é o que se refere à impossibilidade de decretação de prisão preventiva aos crimes punidos com pena de reclusão igual ou inferior a quatro(04) anos, tratando-se de cláusula legal objetiva, uma vez que se leva em consideração precipuamente o critério temporal. Nada mais justo. Aliás, diga-se de passagem, que essa inovação veio a compatibilizar o art. 44 do Código Penal , uma vez que se admitia a aplicação de pena restritiva de direito aos delitos cuja pena não ultrapassem esse patamar (de 04 anos). Ora, veja-se quanto de ilogicidade poderia ocorrer anteriormente na seguinte situação: determinado réu permanecera preso em flagrante ou preventivamente pela prática de delito cuja pena máxima era de quatro anos de reclusão. Uma vez condenado, o magistrado substituiu-lhe a pena privativa de liberdade por pena alternativa. Em outros termos: melhor seria que o réu fosse logo julgado e condenado, pois assim teria a possibilidade de não permanecer preso, do que aguardar o processo trancafiado. Com a nova sistemática, isso não será mais possível.

                        Não. Em alguns aspectos ela se apresenta preocupante. Esses receios decorrem, sobretudo, da reconhecida inaptidão do Estado em cumprir com as suas obrigações, especialmente as que decorrem da aplicação dessa lei no que se refere à separação de presos provisórios dos presos condenados definitivamente. Enquanto que a lei revogada dizia que os primeiros seriam separados dos últimos, sempre ou" quando possível", sugerindo um poder-faculdade, agora a lei nova impõe esse dever, como uma imposição incontornável para o Estado. Conhecida a realidade prisional do país, já se sabe que esse comando legal será fatalmente descumprido, o que ensejará uma pletora muito grande de habeas corpus , vindo, consequentemente, a acarretar uma sobrecarga aos já assoberbados juízes criminais, além de causar uma insegurança na sociedade que verá a liberação de presos apenas pelo fundamento de não ser logisticamente possível mantê-los separados uns dos outros. Outro fator de preocupação é o que se refere à impossibilidade de a prisão em flagrante ser título legítimo para manter encarcerado aqueles que aguardam o julgamento de seus processos. Vigendo a lei, só há dois caminhos a serem seguidos : ou o juiz converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, ou concede liberdade provisória . Pelo visto, considerando-se as estatísticas criminais , os juízes terão árdua tarefa pela frente, como se não bastassem as metas impostas pelo CNJ e as recentes alterações do CPP quanto ao rito processual que conceberam a audiência una.
                        O instituto da fiança criminal também sofreu profundas alterações. Admite-se, agora, o arbitramento de fiança pela autoridade policial nas infrações punidas com detenção ou reclusão até quatro anos, o que antes somente era permitido nos delitos até dois anos. O teto da fiança agora passou a ser de R$ 109.000.000,00 (cento e nove milhões de reais), já que o quantum estabelecido é de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, aumentado em até 1.000 (mil) vezes. Ela não será concedida, todavia, nos crimes de racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos, nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (ex-vi do art. 323 do CPP, com a nova redação).
                        No que tange à prisão domiciliar inovou o legislador ao conceber a prisão domiciliar cautelar, e, o que antes era apenas admitido em certos casos de cumprimento de pena, passou a ser aceito também em relação ao preso provisório, uma vez que o art. 317 (com a novel redação) refere-se ao indiciado ou ao acusado. Já no art. 318 prevê a lei as hipóteses de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar cautelar, a saber quando o agente for: I- maior de 80 (oitenta) anos; extremamente debilitado por motivo de doença grave (observe-se a expressão normativa legal, digo eu); III- imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menos de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV- gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
                        O fato é que legem habemus e que urge sejam implementadas as medidas necessárias para que essa novatio legis não seja minimizada pela interpretação pretoriana diante das inúmeras dificuldades decorrentes do descumprimento de suas obrigações por parte do Estado (como ocorreu com os estabelecimentos agrícolas em que se deveria cumprir o regime semi-aberto ou mesmo com as casas de albergados, cujo número se apresenta insuficiente), fazendo com que os tribunais venham a contornar essas carências em exegeses mirabolantes para não terem de colocar nas ruas presos que inegavelmente têm direito à liberdade em face da lex mitior. Espero, sinceramente,que isso jamais ocorra!

Sergio Alexandre Meneses Habib
Jus Navigandi

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