Por Gesiel Oliveira
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Decisão:16,67% a mais pelo aumento da carga horária |
Nesta última terça-feira, dia 07/02, o Juíz de direito João
Matos Júnior prolatou sentença condenando o Estado do Amapá a pagar o valor
equivalente a 16,67% em razão do aumento da carga horária em 5 horas a mais por
semana para os serventuários da justiça estadual do Amapá. O SINJAP (Sindicato dos
Serventuários da Justiça do Estado do Amapá) protocolizou ação de cobrança em
2011, após várias tentativas frustradas de conciliação quanto ao aumento via
administrativa. O Magistrado rejeitou as preliminares de incompetência e
do pedido de incidente de inconstitucionalidade aventadas pelo Estado do Amapá ,
bem como julgou procedente o pedido formulado pelo SINJAP no sentido de obrigar
o Estado do Amapá ao pagamento de 16,67% sobre as remunerações dos servidores
contratados sob o regime de seis horas diárias, desde a entrada em vigor da Lei
estadual 1.528, acrescidos de juros moratórios e correção monetária nos termos
do art. 1º-F da Lei 9494 [redação dada pela Lei 11.960]; ou seja aplicou a
decisão com incidência retroativa e remeteu a presente sentença ao reexame
necessário, uma vez que o montante indenizatório supera o patamar descrito no
art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil. A sentença determinou ainda que a execução
somente se dará após o trânsito em julgado, nos termos do art. 2º-B da Lei
9494.
Veja a íntegra da sentença:
Data: 07/02/2012
Magistrado: JOÃO MATOS
JÚNIOR
Teor do Ato:
R E L A
T Ó R I O
O Sindicato
dos Servidores da Justiça do Estado do Amapá [SINJAP] ajuizou Ação
Ordinária contra o Estado do Amapá visando o recebimento de
16,67% em face da Lei estadual 1.528/2010, que majorou a jornada de trabalho de
trinta horas para trinta e cinco horas semanais, sem o proporcional aumento da
remuneração. Neste sentido, sustentou: a) o direito adquirido à jornada de
trinta horas semanais; b) o enriquecimento sem causa da Administração Pública
com o aumento da jornada de trabalho sem a respectiva majoração da remuneração;
c) a responsabilidade objetiva do Estado de indenizar os servidores; d) a Lei
estadual 1.528 violaria a irredutibilidade dos vencimentos; e) a necessidade de
declaração de inconstitucionalidade da Lei 1.528 [vício formal de iniciativa,
vício material por afronta à irredutibilidade dos vencimentos e por ausência de
motivação]; f) necessidade de antecipação da tutela.
Por fim, a parte
Autora pediu: 1) a antecipação de tutela para o retorno da jornada de trabalho
de trinta horas semanais ou o pagamento de 16,67% nas remunerações dos
serventuários; 2) a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei
estadual 1.528; 3) a procedência dos pedidos definitivamente, com cominação de
multa diária de R$-50.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento.
Instruiu a
petição inicial com os documentos 32-43, que considerou pertinentes à resolução
da lide.
Este Juízo
indeferiu o pedido de antecipação de tutela. Tal decisão foi atacada via Agravo
de Instrumento, no qual não foi antecipada a tutela recursal.
Citado, o Estado
do Amapá apresentou contestação argumentando, preliminarmente, em resumo: a) a
impossibilidade de antecipação de tutela; b) a carência do direito de ação em
decorrência da inadequação da via processual eleita pela parte Autora e
incompetência deste Juízo; c) obediência ao art. 97 da CR/88 e art. 480 do CPC.
No mérito, sustentou: 1) a impossibilidade de o Poder Judiciário aumentar
vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia [Súmula 339 do
STF]; 2) a inexistência de direito adquirido a regime jurídico [jornada de
trabalho]; 3) a impossibilidade de extensão de vantagens pecuniárias pelo Poder
Judiciário; 4) a constitucionalidade da Lei 1528 em face do cumprimento da
ordem exarada na Resolução 88 do CNJ. Por fim, pediu o acolhimento das
preliminares para extinguir o feito sem resolução do mérito e, caso
ultrapassadas as questões preliminares, a improcedência dos pedidos.
A parte Autora,
instada, manifestou-se em réplica, requerendo o julgamento antecipado da lide.
F U N D
A M E N T A Ç Ã O
O caso dos autos
prescinde da produção de prova em audiência, reclamando, por isso, nos termos
do art. 330, I, CPC, o julgamento antecipado, vez que a matéria tratada nos
autos é predominantemente de direito e as provas documentais carreadas são
suficientes para a resolução da lide.
Com efeito, nos
termos do art. 301 do Código de Processo Civil, aprecio inicialmente as
questões preliminares aventadas pelo Estado do Amapá. Senão vejamos.
Da
questão preliminar de incompetência de Juízo.
Antes decidir
sobre qualquer preliminar, forçoso se faz apreciar os argumentos sobre a
incompetência deste Juízo para julgar a demanda, pois uma vez reconhecida a
incompetência não poderei apreciar os demais pleitos descritos na inicial.
Segundo
depreendo da argumentação do Estado do Amapá, a incompetência se daria porque a
Lei estadual 1528 contemplaria ato jurídico de mero acatamento da ordem advinda
da Resolução 88 do CNJ que fixou horário nacional de funcionamento ao Poder
Judiciário, de modo que, para apreciação do pedido formulado na peça inaugural,
seria inevitável examinar a inconstitucionalidade da aludida Resolução, cuja
competência é exclusiva do excelso Supremo Tribunal Federal.
Muito bem. É
certo que o Poder Legislativo de nosso Estado foi impulsionado a criar a Lei
1528 por provocação do então Presidente do Poder Judiciário local, em
cumprimento à determinação da Resolução 88 do CNJ, todavia, embora o pontapé
inicial da norma tenha sido dado por ato do Conselho Nacional de Justiça, uma
vez criada, a Lei estadual 1528, ato normativo próprio do Poder Legislativo
local, possui procedimento legislativo e efeitos jurídicos que podem e devem
ser apreciados, sem a necessidade de exame do ato emanado pelo aludido
Conselho, máxime se tal julgamento se dá de maneira meramente prejudicial à
pretensão principal, como está a ocorrer nestes autos.
Com isso, rejeito
a questão preliminar e firmo a competência deste Juízo para apreciar as
pretensões, pelo menos em parte, exaradas nesta demanda.
Da
questão preliminar de ausência de interesse processual em face da inadequação
da via processual eleita.
Em nossa ordem constitucional
temos duas vias de controle da constitucionalidade: a) via direta ou em
abstrato; e, b) via indireta ou em concreto.
No primeiro
caso, a pretensão recai sobre o próprio ato eivado de inconstitucionalidade
formal ou material, cuja competência para o exame das ações de controle direto,
por meio de processos objetivos, é dada ao órgão jurisdicional pela
própria Constituição.
Na segunda
hipótese, o exame da inconstitucionalidade é subsidiário ao exame da pretensão
principal, de tal sorte que todo órgão jurisdicional possui a competência de
aferir em processos subjetivos, casos concretos, a compatibilidade das
normas infraconstitucionais face à Constituição Federal, norma fundamental de
todas as outras.
A demanda aqui
apreciada contempla duas claras distintas pretensões: a) o retorno à jornada
de seis [06] horas diárias; ou, b) o recebimento de 16,67% da
remuneração em face do aumento da carga horária para trinta [30] e cinco [05]
horas semanais.
No primeiro
caso, inegavelmente, o pleito ataca a inconstitucionalidade da Lei estadual
1528, ao argumento puro de ofensa a direito adquirido. Esse pedido, sem dúvida,
encerra pedido autônomo que demandaria controle concentrado e abstrato da
constitucionalidade, sem nenhuma pretensão concreta a ele subjacente. Por este
aspecto, sim, assiste razão ao Estado do Amapá. A via processual é inadequada
para tal pleito e por isso, nesta parcela do pedido, merece extinção o processo
sem resolução do mérito.
Entretanto, o
mesmo não pode ser dito em relação ao pleito indenizatório das horas acrescidas
sem o correspondente aumento da remuneração dos serventuários da justiça
amapaense.
Assim, acolho em
parte a questão preliminar de ausência de interesse processual e extingo o
processo sem apreciação do mérito em relação à pretensão de retorno da jornada
de trabalho para seis [06] horas diárias, consoante a Lei estadual 726,
revogada pela Lei estadual 1528.
Da
questão preliminar de adoção do procedimento de incidente de
inconstitucionalidade.
Sem delongas,
esclareço que tal procedimento há de ser adotado apenas quando o julgamento da
inconstitucionalidade for levantado no segundo grau de jurisdição por órgão
colegiado. Sua incidência não se presta para o primeiro grau, onde julgador
monocrático aprecia sozinho, na frieza de seu gabinete, a questão
constitucional.
O procedimento
do incidente visa assegurar, no segundo grau, a cláusula de reserva de
plenário. Cláusula esta sufragada pelo enunciado da Súmula Vinculante 10, a qual, segundo as normas
processuais, não se aplica aos juízos monocráticos do primeiro grau de
jurisdição.
Por esses
fundamentos, rejeito essa questão preliminar.
Examinadas as
questões preliminares, aprecio, doravante, o mérito da demanda.
Desde logo,
esclareço que, na esteira de reiterada jurisprudência do colendo Superior
Tribunal de Justiça e do excelso Supremo Tribunal Federal, o servidor público
não possui direito adquirido a regime jurídico.
Bem por isso,
respeitadas as balizas constitucionais referentes à carga horária máxima de
quarenta horas semanais e a possibilidade de cumulação, é lícito à
Administração alterar para mais ou para menos a jornada de trabalho de seus
servidores em nome da supremacia do interesse público em detrimento do
interesse particular, desde que tal alteração seja realizada por norma jurídica
formal e materialmente adequada para tanto e não gere o decesso
remuneratório.
Aliás, há
decesso na remuneração do servidor quando houver perda real e efetiva nos
respectivos vencimentos. No caso dos autos, não há falar-se em decesso, uma vez
que não houve perda real dos vencimentos dos serventuários substituídos.
Contudo, embora não haja perda efetiva, convém examinar, por outro lado, o enriquecimento
sem causa da Administração [instituto jurídico distinto do decesso remuneratório],
o qual também encontra vedação em nosso sistema constitucional e nos princípios
gerais do direito.
Antes de
apreciar a existência do enriquecimento sem causa da Administração, é oportuno
asseverar que a majoração da jornada de trabalho, por óbvio, diz respeito
apenas aos sujeitos visceralmente ligados à serventia judicial, ficam
ressalvadas as profissões que tenham regramento próprio e diverso da regra aqui
examinada, como é o caso dos médicos, psicólogos e assistentes sociais. Como,
aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, cujo precedente trago à colação:
[...] A jornada
diária de trabalho do médico servidor público é de 4 (quatro) horas. Decreto
Lei 1.445/76, art. 14. Lei 9.436/97, art. 1º. II. - Normas gerais que hajam
disposto a respeito da remuneração dos servidores públicos, sem especificar a
respeito da jornada de trabalho dos médicos, não revogam a norma especial, por
isso que a norma especial afasta a norma geral, ou a norma geral não revoga nem
modifica a norma especial. III. - Mandado de segurança deferido. [STF -
MS 25027-DF - Tribunal Pleno - Rel. Min. Carlos Velloso - j. 19/05/2005 - DJ
01/07/2005, p. 00006]
Sem fechar os
olhos a essa ressalva, e sem poder apreciar tal pretensão, porque a
inconstitucionalidade direta da Lei 1528 não é objeto deste julgamento, examino
o pedido de pagamento das horas a mais trabalhadas desde a entrada em vigor da
Lei estadual 1528.
Muito bem, a fim
de assegurar a melhor orientação jurisprudencial para o caso, examinei
detidamente os tribunais pátrios de segundo grau, e estou convencido a guiar
meu entendimento à luz dos julgados do Supremo Tribunal Federal, uma vez as
normas fixadoras da jornada de trabalho do serviço público encontram regramento
impositivo na própria Constituição Federal.
Internamente, no
Supremo Tribunal Federal, além do julgamento da ADI 4598, cujo objeto é a
inconstitucionalidade da Resolução 88 do CNJ, há dois casos em que se tratou da
majoração da jornada de trabalho de servidores públicos e os reflexos dessa
alteração. Um deles está assentado no ARE 640520-AgR-SP, da lavra da
Ministra Cármen Lúcia. O outro diz respeito ao RE 255.792 da
lavra do Ministro Marco Aurélio.
No ARE
640520-AgR-SP, o Supremo Tribunal Federal decidiu o seguinte:
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO. JORNADA DE TRABALHO
REDUZIDA. RETORNO À JORNADA MAIS EXTENSA. AUSÊNCIA DE DIREITO
ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. ALEGADA REDUÇÃO DE
VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL
AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. [STF - ARE 640520-AgR-SP - Primeira Turma -
Rel. Min. Cármen Lúcia - j. 28/06/2011 - DJe-158, p. 18/08/2011]
Ou seja, apesar
de ter assentado que inexiste direito adquirido a regime jurídico para o
servidor público, o Excelso Pretório não conheceu o Agravo porque no Tribunal
de origem houve a apreciação de matéria de prova, cuja reapreciação esta vedada
aos julgamentos recursais do Supremo.
Por outro lado,
no julgamento do RE 255.792, o STF reconheceu que o aumento da
carga horária de trabalho, sem a indispensável contraprestação remuneratória do
servidor, acarreta vantagem indevida ao Poder Público, violando, com isso, o
princípio da irredutibilidade de vencimentos. Esse julgamento restou ementado
da seguinte forma:
As premissas
constantes do acórdão impugnado revelam que edital de concurso veiculou carga
de trinta horas semanais. Mediante lei posterior teria ocorrido majoração da
jornada semanal para quarenta horas sem a indispensável contraprestação. (...)
Está configurada, na espécie, a violação do princípio da irredutibilidade dos
vencimentos. Ao aumento da carga de trabalho não se seguiu a indispensável
contraprestação, alcançando o poder público vantagem indevida. Daí o certo da
concessão da segurança para anular o decreto municipal. [RE 255.792,
Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 28.04.2009, DJe 26.06.2009].
Com razão o
Ministro Marco Aurélio. A majoração da jornada de trabalho dos servidores em
uma hora deve seguir a devida retribuição pecuniária, sob pena de acarretar o enriquecimento
sem causa da Administração. Essa proporcionalidade direta da remuneração ao
trabalho realizado não induz, nem em pálidas cores, ofensa ao enunciado Súmula
339 do Supremo Tribunal Federal, pois não se está aqui a aumentar
vencimentos sob o fundamento da isonomia. Absolutamente, não é isso.
O que se busca
com a justa retribuição pecuniária é respeitar a situação jurídica consolidada
pelo pagamento dos vencimentos na exata proporção da carga horária estabelecida
- de trinta [30] horas semanais - quando da contratação dos servidores.
Essa pretensão
indenizatória, com efeito, não traduz pagamento de horas extras, mas a
contraprestação real das horas efetivamente majoradas e trabalhadas pelos
servidores contratados para jornada de trabalho de seis horas, a qual, repiso,
foi alterada para sete horas diárias. Aliás, a Lei estadual 1528 não trouxe
disposição expressa semelhante ao art. 1º, § 1º, da Resolução 88 do Conselho
Nacional de Justiça, de modo que o silêncio da lei apenas reforça a procedência
do pedido no que toca à reparação remuneratória pretendida na petição inicial.
D I S P
O S I T I V O
Ante o exposto,
pelo livre convencimento que formo:
1) REJEITO as
questões preliminares de incompetência e de adoção do procedimento do incidente
de inconstitucionalidade aventadas pelo Estado do Amapá em sua contestação;
2) ACOLHO, em
parte, a preliminar de ausência de interesse processual em relação ao pleito de
retorno da jornada anterior de seis [06] horas diárias, e, consequentemente,
DECLARO extinto processo sem apreciar, nesta parcela, o mérito da causa [CPC,
art. 267, VI];
3) JULGO
PROCEDENTE, em parte, o pedido [CPC, art. 269, I] e consequentemente, CONDENO o
Estado do Amapá ao pagamento de 16,67% sobre as remunerações dos servidores
contratados sob o regime de seis horas diárias, desde a entrada em vigor da Lei
estadual 1528, acrescidos de juros moratórios e correção monetária nos termos
do art. 1º-F da Lei 9494 [redação dada pela Lei 11.960];
4) CONDENO a
parte Ré ao pagamento de honorários advocatícios de R$-5.000,00 [cinco mil
reais], nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, acrescidos de juros moratórios e
atualização monetária, nos termos do art. 1º-F da Lei 9494 [redação dada pela
Lei 11.960], incidente a partir desta sentença.
5) REMETO, com
ou sem recurso voluntário, a presente sentença ao reexame necessário, uma vez
que o montante indenizatório supera o patamar descrito no art. 475, § 2º, do
Código de Processo Civil;
A execução desta
sentença somente se dará após o trânsito em julgado, nos termos do art. 2º-B da
Lei 9494.
Publicação e
registro eletrônicos. Intimem-se.
Por Gesiel Oliveira
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