Cabralzinho: O resgate da verdade histórica sobre esse herói incontestável na defesa da nossa terra contra a invasão francesa
Estátua de Cabralzinho na praça do Município de Amapá |
“Será que o Brasil pode
dar-se ao luxo de deixar na sobra heróis ignorados? Ou encobertos? Não há povo
que possa viver saudavelmente sem lembrar-se de seus heróis. Sem cuidar de que
eles existem (...) Em Fronteiras sangrentas, o erudito admirável, (…) recorda
aos brasileiros de hoje os heróis do Amapá, heróis aos quais deve muito o
Brasil. Entretanto são ignorados e até ridicularizados. Estão nas sombras,
quando o maior deles, Francisco Xavier da Veiga Cabral, chega a ser épico.” (Gilberto
Freyre - Sociólogo e historiador).
É necessário resgatar fatos históricos e desconstruir desinformações sobre a figura de Cabralzinho que sempre foi injustiçado por
muitas inverdades e desinformações plantadas por um pequeno grupo local de
oposição a ele à época. Hoje vamos conhecer o que há de mentiras e verdades em
tudo isso, e resgatar os atos de heroísmo e verdadeira importância histórica do
mais valente de todos eles. Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05 de
maio de 1861 e faleceu dia 18 de maio de 1905 em Belém aos 44 anos de idade,
era paraense, natural da cidade de Cametá foi comerciante por muito tempo,
exerceu vários cargos públicos, assim como escrivão e despachante da Alfândega
Paraense, chegou ao Amapá, depois de se envolver em uma revolta armada, para
restaurar a monarquia, depor o governador na época Duarte Huet Bacellar e
impedir a posse do novo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré. O
historiador Carvalho diz que os [...] heróis são símbolos poderosos,
encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de
identificação coletiva. Não há país que não promova o culto de seus heróis e
não possua seu panteão cívico [...] (CARVALHO, 2009, p. 55). Francisco Xavier
da Veiga Cabral, mais conhecido como “Cabralzinho”, tinha esse apelido por
causa de sua baixa estatura.
Desenho de Cabral publicado no jornal Província do Pará, Belém, 24/07/1895. |
Contexto histórico
Em 1893 (ou 1894, segundo algumas fontes), a descoberta de
ouro na bacia do rio Calçoene, no Amapá, pelos garimpeiros brasileiros Germano
e Firmino Ribeiro, intensificou as tensões na região do Contestado. A presença
do ouro atraiu aventureiros de várias nacionalidades e aumentou o interesse dos
franceses, que reivindicavam o território. O governador da Guiana Francesa, Mr.
Charvein, nomeou Eugene Voissien como delegado da área, o que facilitou a
exploração do ouro em benefício da França, com a cobrança de altos impostos e
prisões de garimpeiros brasileiros acusados de contrabando. Esse cenário de
abusos e desordem culminou em 1895, quando Voissien proibiu o acesso dos
brasileiros às minas, desencadeando a resistência armada.
Diante disso, os brasileiros se organizaram e formaram um Triunvirato,
composto por Francisco Xavier da Veiga Cabral (conhecido como Cabralzinho),
Cônego Domingos Maltês e Capitão Desidério Antônio Coelho, para defender os
interesses nacionais. Cabralzinho destacou-se como líder, tomando medidas
administrativas, financeiras e militares com autonomia.
O conflito armado de 15/05/1895
Há exato 130 anos, no dia 15 de maio de 1895, o vilarejo de
Sagrado Coração do Espírito Santo, no Amapá, tornou-se o palco de um confronto
histórico que ecoa até hoje na memória dos amapaenses. Francisco Xavier da
Veiga Cabral, conhecido como Cabralzinho, liderou uma resistência armada contra
a invasão das tropas francesas comandadas pelo Capitão Lunier, durante o auge
do Contestado Franco-Brasileiro.
A notícia veiculada pelo Diário de Notícias em
maio de 1895 diz que quando da chegada de Cabral em Belém trazendo Trajano como
prisioneiro de guerra, fala de um conflito armado, onde houve um verdadeiro
massacre. Informou que um navio de guerra francês denominado de Bengali, que ancorou
aproximadamente 500 metros antes de chegar ao vilarejo, com cerca de 200
soldados a bordo e que uma centena deles desembarcou. Com Cabral, havia apenas
14 ou 15 homens armados na defesa da vila. Uma comitiva chefiada pelo capitão
Lunier com soldados da infantaria naval e mais 60 marines seguiu
em canoas até Amapá. Estes últimos desembarcaram antes, na altura onde se
localizava o antigo cemitério, e seguiram a trilha que contorna a vila para
surpreenderem os habitantes pela costa. Lunier desembarcou pelo cais principal;
estava convencido de que não apresentando todo seu aparato militar dissuadiria
os habitantes da vila de uma resistência, podendo chegar mais facilmente ao
encontro de Cabral e resgatar Trajano (representante francês na região do contestado) que estava preso. Contudo, a casa onde
deveria estar Trajano encontrava-se deserta, e um silêncio sepulcral reinava em
todo o vilarejo.
Caricatura de Trajano publicada no jornal Província do Pará, Belém, 24/07/1895. |
A morte do capitão Lunier
Lunier, então, seguiu com seus homens pelo caminho da
beira-rio até pouco antes de chegar à igreja, de onde teria sido interpelado
por Cabral e seu bando. Foi neste ponto que os dois grupos se encontraram
frente a frente. Todo o planejamento estratégico efetuado caiu por terra quando
a vantagem da surpresa mudou de lado. Em certo momento, do nada, iniciou-se um
forte tiroteio de ambos os lados em disputa que prosseguiu durante mais de duas
horas. O confronto teria se iniciado e, enquanto a armada francesa retornava
para seu posto de desembarque, Cabral seguia com seu grupo para a mata atrás da
igreja. Nos autos do processo contra os prisioneiros brasileiros levados até
Caiena, consta a versão deles sobre o conflito.
Segundo João Pereira, no encontro entre os dois grupos
rivais, Cabral recebeu voz de prisão sem que houvesse nenhum diálogo anterior
entre as partes, tendo sido logo capturado pelos soldados da infantaria
francesa. Mas, com um golpe, uma cotovelada, conseguiu se desvencilhar, pegando
o revolver do capitão Lunier e atirando contra ele para escapar da prisão.
Depois, embrenhou-se com seus homens na floresta de mangue levando Trajano
consigo enquanto começava o tiroteio pela cidade. Alguns poucos civis brasileiros
armados enfrentando um destacamento da infantaria da marinha francesa. A tática
de Cabralzinho era usar a mata para atacar e capturar as armas dos abatidos
para continuar o embate. O
combate durou das 10:30h às 13:00 horas de 15/05/1895, uma quarta-feira. Ao
final, o trágico resultado imprevisto. O Capitão Lunier estava morto, algumas
dezenas de moradores brasileiros e de soldados franceses também, além de um
grande número de civis e militares feridos.
Após a inesperada reação, os soldados franceses revidaram de
modo desproporcional a alguns tiros que teriam partido de dentro das casas, uma
atitude de legítima defesa da parte de quem fora invadido. Essa reação, que
durou mais de duas horas, atingiu todas as residências da vila de Amapá.
Durante o combate, acuados ante a superioridade numérica e militar, Cabral e
seus homens escaparam para a selva. Ao final do confronto, contabilizaram-se 35
mortos sendo: dez mulheres assassinadas dentro de suas casas, duas delas
segurando seus filhos pequenos no colo; três idoso septuagenários e um idoso
enfermo de oitenta anos; 17 homens com idades variando entre 16 e 65 anos; mais
quatro crianças entre sete e 13 anos de idade; além de 32 feridos durante o
combate. Quando de sua chegada a Belém, Cabral foi saudado com vivas e tiros de
foguete pela população.
Na batalha, Cabralzinho liderou os brasileiros com
determinação, resultando na morte de Lunier, de seu substituto e de outros 22
soldados franceses, além de dezenas de mortos e feridos brasileiros. Os
franceses, derrotados, retiraram-se, mas não sem antes cometer atos de
violência, como incendiar casas e saquear o comércio.
A bravura de Cabralzinho não apenas desafiou os invasores,
mas também acelerou a resolução de uma disputa territorial que definiu os
limites do Brasil. Hoje, 15 de maio, feriado no estado do Amapá, celebramos
esse ato heróico que garantiu a soberania nacional e honramos a memória de
Cabralzinho e dos brasileiros que deram suas vidas nesse conflito sangrento.
O Contestado Franco-Brasileiro: Uma Disputa de Séculos
A tensão entre Brasil e França na região entre os rios
Araguari e Oiapoque remontava ao Tratado de Utrecht, de 1713, que deixou os
limites entre as colônias portuguesas e francesas mal definidos. Por quase dois
séculos, essa área rica em recursos naturais foi motivo de atrito, mas a
situação escalou no final do século XIX com a descoberta de ouro, atraindo a
cobiça francesa. Em 1895, a França decidiu agir, enviando tropas para
consolidar seu domínio sobre o território contestado. A vitória na batalha de
1895 destacou a coragem e a liderança de Cabralzinho, e foi essencial para
impedir a anexação francesa e preservar a soberania brasileira na região. Seu
papel foi reconhecido pelo governo brasileiro, que lhe concedeu o título de "General
honorário" do Exército Brasileiro, elevando-o à condição de herói
nacional. O conflito territorial, que se arrastava desde o século XVIII, foi
finalmente resolvido em 1º de dezembro de 1900, com o Laudo de Berna.
Sob a liderança diplomática do Barão do Rio Branco, o laudo confirmou o Rio
Oiapoque como fronteira entre Brasil e França, encerrando quase 187 anos de
disputas.
Região do Contestado Franco-brasileiro |
A desinformação que tentou apagar sua glória
Apesar da vitória, nem todos celebraram a bravura de Cabralzinho.
Alguns poucos, que se recusavam a seguir seu comando no Triunvirato, espalharam
inverdades para tentar desmoralizá-lo. Várias mentiras se espalhadas e chacotas
tentavam ridicularizar sua luta. Diziam que o grito que Cabralzinho teria dado:
“ou mato ou morro” era para dizer o local para onde ele fugiria, ou para trás
do mato ou para trás do morro. Uma das
mentiras mais persistentes foi a de que Velho Felix, teria sido o responsável
por matar o Capitão Lunier comandante da esquadra francesa. Outra inverdade foi
a de que Cabralzinho teria fugido e deixados suas tropas desguarnecidas, no
entanto, há muitos relatos de testemunhas e registros históricos que desmentem todas
essas narrativas. Há farto relatos históricos, que revelam a bravura e
resistência de Cabralzinho, que perdeu vários homens, brasileiros que tombaram
no campo de batalha, lutando por nossas terras, mesmo estando em desvantagem,
com poucos homens e com pouco armamento continuou contra-atacando os franceses.
Foi Cabralzinho, com suas próprias mãos, quem abateu o capitão francês Lunier,
um feito que se tornou o símbolo da resistência brasileira naquele dia e
garantiu que as tropas francesas recuassem e desistissem do seu intento de
ocupar a região do contestado. Precisamos deixar de lado essa mentalidade
“vira-lata” de querer descontruir a memória e os feitos dos nossos verdadeiros
heróis, e Cabralzinho foi um deles.
Francisco Xavier da Veiga Cabral - O Cabralzinho
“Por causa de Cabralzinho não somos franceses”
Esse é um outro argumento falacioso utilizado por muitos.
Primeiro que Macapá está fora da área do contestado, que se estendia do Rio
Araguari até o Rio Oiapoque, então em qualquer situação a maioria do povo do
Amapá, que reside em Macapá, não seria alcançado de qualquer forma. Segundo que
basta perguntar a qualquer cidadão que reside na Guiana Francesa, para entender
que nada é maior e mais importante que a liberdade de poder ter soberania sobre
seu próprio território. Hoje a maior reclamação do povo da Guiana Francesa é a
ausência de liberdade para escolher suas leis, pois tudo é formatado na Europa
e quase todas as decisões são feitas sem consultar o povo local. Há um
sentimento muito forte que resiste no coração de cada guianense em busca da
independência e liberdade, que aqui no Amapá só foi possível por causa da
bravura de Cabralzinho.
15 de maio: Um dia de memória e orgulho
Hoje, 15 de maio é mais do que um feriado no Amapá, é um dia
para lembrar o preço pago pela soberania e a coragem de Cabralzinho e seus
companheiros. Mulheres, crianças e idosos foram vítimas da violência francesa,
mas, em meio à tragédia, a figura de Cabralzinho emergiu como um exemplo de
determinação e patriotismo. Sua resistência mudou o curso da história,
garantindo que o Amapá permanecesse brasileiro.
“Será que o Brasil pode dar-se ao luxo de deixar na
sobra heróis ignorados? Ou encobertos? Não há povo que possa viver
saudavelmente sem lembrar-se de seus heróis. Sem cuidar de que eles existem
(...) Em Fronteiras sangrentas, o erudito admirável, (…) recorda aos
brasileiros de hoje os heróis do Amapá, heróis aos quais deve muito o Brasil.
Entretanto são ignorados e até ridicularizados. Estão nas sombras, quando o
maior deles, Francisco Xavier da Veiga Cabral, chega a ser épico.” (Gilberto
Freyre - Sociólogo e historiador).
Que neste dia possamos olhar para trás com orgulho e
gratidão, reconhecendo que a liberdade de hoje foi forjada por heróis como
Cabralzinho. Sua história, muitas vezes ofuscada, merece ser contada e
recontada aos nossos filhos e netos, para que as gerações futuras entendam o
valor de lutar pelo que é justo e pelo que é nosso. Cabralzinho é e sempre será
lembrado por seus feitos em defesa da nossa terra.
Referências Bibliográficas
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Arthur Cézar Ferreira. A Questão do Amapá. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Cultura, 1949.
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- CAPIBERIBE,
João Alberto. Amapá: A Terra Onde o Brasil Começa. Macapá:
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- CARVALHO,
Carlos Delgado de. O Contestado Franco-Brasileiro: A Questão de
Limites entre o Brasil e a Guiana Francesa. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1959.
- OLIVEIRA,
Gesiel. Cabralzinho foi mesmo um herói do Amapá? Blog do Gesiel
Oliveira, 15 maio 2018. Disponível em:
https://drgesiel.blogspot.com/2018/05/cabralzinho-foi-mesmo-um-heroi-do-amapa-html
- SCHAAN,
Denise Pahl. Os ‘franceses’ do Amapá: aspectos da presença francesa na
foz do Amazonas (séculos XVII-XIX). Caravelle: Cahiers du monde hispanique
et luso-brésilien, Toulouse, n. 108, p. 159-176, 2017. Disponível em:
https://journals.openedition.org/caravelle/7302.
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